quarta-feira, 23 de julho de 2014

Lavador de carros, advogado: passou na OAB

Quanto universitário se forma em direito e não consegue passar no exame da OAB?

Um lavador de carros do Distrito Federal conseguiu... e antes de se formar.

Prestes a começar o último semestre de direito em uma faculdade de Taguatinga, a 25 km de Brasília, o bolsista Flávio Dias da Silva, de 36 anos, foi aprovado no exame da Ordem dos Advogados do Brasil.

Vida dura

O resultado coroou uma batalha iniciada há 18 anos, quando o piauiense chegou à capital do país em busca de uma vida melhor.

"Nasci em Floriano, no interior [do Piauí]. Não era uma cidade tão desenvolvida como hoje. Minha mãe criou a mim e meus quatro irmãos sozinha desde que meu pai nos abandonou. Ela era professora da rede estadual, então o salário não era muito, e sempre havia alguma dificuldade. Só que nossa base de estudo era forte, e ela investiu muito em mim. Estudei em escola particular a vida toda e vendia picolé para ajudá-la a pagar a mensalidade", lembra Silva.

Com o ensino médio concluído e a poucos dias de completar a maioridade, o homem decidiu buscar em Brasília alguma oportunidade. O objetivo era colaborar com a mãe no custeio das despesas da família e com a então namorada, que havia acabado de descobrir que estava grávida.

Empregos

O primeiro emprego de Silva foi como balconista de uma padaria, substituído meses depois pelo de garçom.

5 anos depois começou a lavar carros em Taguatinga.

Estudar

Em segredo, Flávio estudou, prestou vestibular em uma faculdade particular e passou.
Como o dinheiro da lavagem dos carros não dava para bancar a família e a faculdade, ele pediu um bolsa de 50%...  conseguiu a integral!

"Não queria me menosprezar por ser negro e pobre, mas fui sincero. Se não fosse desse jeito, eu não teria condição de pagar. E eu falei para o reitor que queria mudar o meu futuro e o da minha família. Aquela era a chance que eu tinha. Deixei claro que minha intenção era não precisar depender disso, que eu sabia que ele era um homem muito ocupado, mas que eu não tinha opção mesmo", conta.

Ainda no começo da faculdade, o lavador de carros foi trabalhar na limpeza do tabelião do Cartório do 5° Ofício de Notas da cidade.

Depois, passou para a área de segurança e hoje é auxiliar notarial.

Mas ele ainda lava carros nos fins de semana.

"Hoje, essa não é a minha atividade principal [lavação de carros], digamos assim, mas é muito importante para mim. Eu não ganho menos que R$ 90 em um sábado, e isso me ajuda muito a completar a renda. A soma do que eu e minha mulher ganhamos não é alta, então esse dinheiro a mais ajuda muito. E eu gosto de lavar carros, me distrai. Foi o que me deu sustento por muito tempo e ainda me ajuda a queimar calorias", brinca.

"Meu peso ideal é 87 kg, mas estou com 100 kg. Não vou parar tão cedo."

OAB

Assim como fez com o vestibular, Silva se inscreveu em segredo para o exame da OAB.

A preparação para a primeira etapa ocorreu toda em casa.

Já para a segunda fase, o lavador decidiu optar por um reforço e pagou um cursinho on-line.

Foram 3 meses conciliando o sonho com as aulas da faculdade, o início da monografia e o trabalho.

"Nos últimos 45 dias, eu estudava feito louco. Ficava até as 3h respondendo exercícios, me mantinha com energético. Às 8h, chegava ao cartório caindo de sono. Foi puxado, mas valeu a pena. Eu sabia tudo de cabeça no dia da prova. Abri um sorriso daqui a ali ao ler o teste. Eu me senti em casa e tive confiança de que tudo daria certo", afirma.

Aprovação

O resultado saiu no dia 24 de junho: ele acertou 57% da prova objetiva.

"Eu gritei e chorei de felicidade. Saí ligando para familiares, amigos, conhecidos, postei no Facebook. Essa vitória é tudo. Foi um exemplo para as pessoas – muitas me dizem que eu as inspirei, que vão tentar os sonhos delas também", recorda Silva.

"Foi uma forma de mostrar à sociedade, mas principalmente de me mostrar, que não sou menos do que ninguém, que sou muito capaz."

Com uma preocupação a menos para o último semestre de faculdade, o homem já traça novos planos.
Os objetivos futuros são fazer uma especialização na área de processo civil e dar aulas, além de prestar concursos de direito e dar à mulher a oportunidade de estudar.

"Agora, quero ajudar pessoas iguais a mim e até outras, com trajetórias diferentes, a abrir a cabeça e crescer", conclui.

Nenhum comentário:

Postar um comentário